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    porto velho, sexta-feira 15 de agosto de 2025

Vacina experimental pode prevenir a recorrência do câncer de pâncreas

Vacina experimental desenvolvida em universidade norte-americana tem como alvo mutações específicas e pode prevenir...


Paloma Oliveto

Publicada em: 14/08/2025 09:52:30 - Atualizado

BRASIL: Considerada uma revolução no tratamento do câncer, a imunoterapia, abordagem que treina o sistema de defesa do organismo para atacar a doença, mostrou resultados promissores em pacientes de um dos tumores mais desafiadores para a medicina, o de pâncreas. Em um artigo publicado na revista Nature Medicine, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (Ucla), descreveram como uma vacina experimental desencadeou respostas duradouras, com potencial para prevenir ou adiar a recorrência em pessoas de alto risco.

A substância, chamada ELI-002 2P, tem como foco mutações no gene Kras. Noventa e três por cento dos pacientes de câncer pancreático têm esse perfil genético e, embora a variante seja uma velha conhecida da medicina, no caso desse tipo de tumor, os tratamentos não têm se mostrado eficazes. As alterações nessa proteína promovem o crescimento descontrolado das células e estão associadas a um pior prognóstico.

"O gene Kras é um alvo muito atraente para imunoterapia porque é central para o tumor e não muda ao longo da evolução da doença", explicou, em nota, a oncologista Eileen O'Reilly, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center e uma das autoras do estudo. "As mutações no Kras são consideradas um dos principais motores do câncer, e os remédios que existem atualmente não curam o paciente, dão o controle temporário. Então, é muito importante ter uma estratégia diferente para atacá-las, como a imunoterapia", comenta Tiago Kenji, líder da Oncologia do Hospital Santa Paula, em São Paulo.

Resíduos

O estudo de fase 1 incluiu 25 pacientes de câncer de pâncreas e cinco com tumor colorretal (50% dos casos são associados às mutações no Kras). Todos haviam sido submetidos à cirurgia e ainda tinham resíduos da doença ou traços de DNA cancerígeno no sangue, uma condição frequentemente associada à recidiva.

Os voluntários foram acompanhados por 19,7 meses. Nesse período, a sobrevida livre de recidiva — quando não há retorno da doença — foi de 16,33 meses. A sobrevida global ultrapassou bastante a média histórica em estudos: 28,94 meses. O maior benefício foi observado nos participantes que desenvolveram respostas mais fortes das células de defesa T, específicas para o gene mutante.

"Esse é um avanço promissor para pacientes com cânceres induzidos por Kras, particularmente câncer de pâncreas, onde a recorrência após o tratamento padrão é quase certa e as terapias eficazes são limitadas", escreveu o primeiro autor do estudo, Zev Wainberg, pesquisador do Ucla Health Jonsson Comprehensive Cancer Center. "Observamos que os pacientes que desenvolveram fortes respostas imunológicas à vacina permaneceram livres da doença e sobreviveram por muito mais tempo do que o esperado."

Personalização

Uma das particularidades da vacina é que, diferentemente de outras imunoterapias para o câncer, ela não requer personalização. Geralmente, o imunoterápico é fabricado com células do próprio paciente, treinadas para reconhecer e atacar o tumor com maior eficácia. No caso da ELI-002 2P, a substância foi projetada para ser um produto padronizado, sem necessidade de individualização. Assim, caso estudos futuros confirmem sua segurança e eficiência, o tratamento será mais rápido e acessível, acreditam os pesquisadores.

Um dado comemorado pelos autores do estudo é que 84% dos pacientes geraram células T específicas para as mutações Kras. Entre elas, populações das chamadas células auxiliares CD4 (que coordenam o ataque) e das assassinas CD8 (as executoras). Além disso, 67% dos voluntários geraram resposta contra outras mutações tumorais, sugerindo uma atuação mais ampla da vacina.

Segundo o oncologista Márcio Almeida, de Brasília, esse último resultado sugere que a vacina da Ucla poderia beneficiar pacientes de câncer pancreático com outras mutações ou pessoas com as mesmas variantes Kras, mas em outros órgãos. "Cólon e pulmão são candidatos potenciais. A plataforma é tecnicamente adaptável, mas cada novo alvo exige novos estudos", observou.

"O direcionamento do Kras tem sido considerado um dos desafios mais complexos na terapia do câncer", disse Wainberg. "Esse estudo mostra que a vacina ELI-002 2P pode treinar o sistema imunológico com segurança e eficácia para reconhecer e combater mutações que causam câncer. Ela oferece uma abordagem promissora para gerar respostas imunes precisas e duradouras sem a complexidade ou o custo de vacinas totalmente personalizadas."

Cientistas preparam nova fase de testes

O estudo sobre um novo imunoterápico em potencial para câncer de pâncreas, um dos mais letais e com menos tratamentos disponíveis, foi de fase 1, quando o objetivo é testar a segurança da substância. Segundo os pesquisadores, a vacina ELI-002 2P foi bem tolerada, sem sinais de toxidade no acompanhamento a longo prazo.

O oncologista Márcio Almeida, de Brasília, observa que a vacina ainda é preliminar, e que as pesquisas precisam ser ampliadas antes de a substância ser considerada uma nova opção de tratamento. No caso do estudo publicado na revista Nature Medicine, os pacientes tinham um perfil específico, com doença residual mínima (MRD), quando há presença de células cancerígenas em quantidades muito baixas após o tratamento.

Reprodução

"A escolha desse perfil é uma estratégia inteligente para estudos de fases iniciais, mas cria uma pergunta adicional: o efeito será reproduzível clinicamente em ensaios randomizados (com grupo de controle, para comparação) maiores e em populações mais amplas?", questiona Almeida. Os pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (Ucla), afirmaram que já concluíram a inscrição de um estudo maior, de fase dois, da vacina, com uma nova versão que tem como alvo um conjunto mais amplo de mutações do gene Kras.

Tiago Kenji, líder da Oncologia do Hospital Santa Paula, em São Paulo, diz que acompanha com entusiasmo as fases futuras da pesquisa. "É uma estratégia de imunoterapia que funciona melhor e merece subir para as fases 2 e 3. Quem sabe podemos ser um dos centros de teste, caso o Brasil for escolhido para participar?", indaga. (PO)

Três perguntas para Fernando Vidigal, oncologista do Hospital Brasília e diretor regional de Oncologia da Rede Américas

O estudo é promissor?

Sim, é um avanço, porque o câncer de pâncreas tem poucas opções eficazes após o tratamento padrão. A vacina usa uma tecnologia que leva os fragmentos da proteína mutada diretamente aos linfonodos, onde as células imunes “aprendem” a atacar. Além disso, muitos pacientes tiveram “espalhamento antigênico”: depois da vacina, o sistema imune passou também a reconhecer outros antígenos do tumor, o que pode ampliar o efeito terapêutico além da própria mutação visada. Mas ainda é um estudo pequeno, e sem grupo de comparação, cujo objetivo principal foi testar a segurança e procurar sinais iniciais de eficácia.

É possível estimar quando o tratamento estará disponível?

Para que a vacina seja adotada na prática médica é preciso demonstrar, em estudos maiores e randomizados, que ela realmente melhora a sobrevida ou a qualidade de vida em comparação ao que se faz hoje. Isso envolve estudos de fases 2 e 3, confirmação de segurança em populações maiores e definição de quais pacientes têm maior benefício. Já existem estudos de fase 2 em curso e protocolos ampliados para testar versões com mais mutações. Os próximos passos são confirmar eficácia em amostras maiores, encontrar biomarcadores (quem responde melhor) e testar combinações com outras terapias. Mas, mesmo no melhor cenário, a transição do sinal promissor de fase 1 para uso clínico rotineiro costuma levar anos — e depende de resultados positivos em ensaios controlados e da aprovação por agências regulatórias.

Quais os pacientes candidatos ideais para esse tratamento?

Aqueles com câncer de pâncreas ou colorretal que apresentam doença residual mínima (MRD) detectada por biomarcadores moleculares após tratamento padrão local (cirurgia, quimio, radioterapia), pois tratar nessa fase permite que a vacina atue em um ambiente onde a carga tumoral é pequena, favorecendo o controle imunológico eficaz. Também pacientes que não apresentam evidência radiológica de doença ativa, mas que têm alto risco de recidiva pela detecção molecular. (PO)






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