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porto velho, sexta-feira 3 de outubro de 2025
O Alvo Perfeito: Como a Ostentação de um Advogado Virou Arma para a CPI
Por Dr. Fadricio Santos
Uma lição fundamental sobre o poder em Brasília foi dada na CPI da Previdência: CPI não prende. Ela pede. E ao pedir a prisão preventiva de Nelson Wilians, dono do maior escritório de advocacia da América Latina, a comissão não apenas testou os limites da lei, mas também expôs como a política pauta a Justiça, escolhendo seus alvos com precisão cirúrgica. O que está em jogo não são apenas os bilhões desviados do INSS. É a confiança no Estado. Se a aposentadoria do idoso é saqueada, o que sobra? A resposta da CPI a essa pergunta foi mirar alto. Mas por que Wilians? A resposta não está apenas nos autos, mas nas redes sociais.
A Escolha do Alvo: A Caça ao Tubarão Simbólico
Uma CPI, em sua essência, não caça sardinhas; ela vai atrás de tubarões que concentram poder econômico, político e, crucialmente, simbólico. É aqui que a análise avança para além do direito e entra no campo da estratégia política. Nelson Wilians, com seu estilo de vida luxuoso amplamente documentado em jatinhos, carros importados e relógios milionários, tornou-se, para a comissão, o alvo perfeito.
Seu patrimônio, por si só, não representa crime algum. Em uma sociedade capitalista, o sucesso financeiro é lícito. Contudo, no tribunal da opinião pública, especialmente ao defender um cliente acusado de lesar os mais vulneráveis, essa mesma ostentação se converte em combustível político. Wilians, talvez sem perceber, forneceu à CPI a narrativa que ela precisava: a do advogado milionário que vive no luxo enquanto o aposentado perde suas economias. Essa imagem, poderosa e simplista, justifica, aos olhos do público, qualquer ato da comissão, por mais juridicamente questionável que seja.
A Distinção Crucial: O Limite Entre o Lícito e o Narrativo
É imperativo separar os fatos da narrativa.
O Fato (O Lícito): A atuação de um advogado, por mais enérgica que seja, é protegida pela imunidade profissional. Suas comunicações com o cliente são invioláveis. Sua prisão não pode ser decretada por uma CPI. Seu patrimônio, se de origem lícita, é um direito seu. A tentativa de confundi-lo com seu cliente é uma afronta direta ao Estado de Direito, e os tribunais superiores, como o STF no HC 71231 e o STJ no RHC 157143, são claros ao proteger as prerrogativas da advocacia e punir os excessos.
A Narrativa (O Político): A CPI, ciente dos seus limites legais, usou o pedido de prisão não como um ato jurídico, mas como um ato de comunicação. A imagem do "advogado ostentação" sendo confrontado cria um fato político que se sobrepõe à discussão legal. A comissão não precisava prender Wilians; ela precisava apenas da imagem dele quase sendo preso. O objetivo era simbólico: mostrar que ninguém, nem mesmo o "tubarão", está acima do poder do Congresso.
O Abuso de Poder como Ferramenta Política
Nesse contexto, o flerte com o abuso de autoridade (Lei nº 13.869/2019) deixa de ser apenas um excesso e se torna uma ferramenta calculada. A ameaça de prisão, a intimidação da defesa e a exposição seletiva de informações são táticas para minar a credibilidade do advogado e, por tabela, do próprio direito de defesa do investigado. A imunidade parlamentar protege o discurso, mas não legitima a ilegalidade como método de investigação.
Conclusão: O Preço da Imagem e o Risco para o Estado de Direito
Se Nelson Wilians é culpado de algum crime, o devido processo legal irá determinar. Contudo, o episódio da CPI ensina uma lição amarga: na arena política, a percepção muitas vezes vale mais que a lei. A ostentação, embora não seja crime, pode se tornar uma vulnerabilidade estratégica, transformando um defensor em um alvo fácil e legitimando ações que, em um cenário de sobriedade, seriam vistas como claro abuso de poder.
O preço da imagem, neste caso, é pago não apenas pelo advogado, mas pelo próprio Estado de Direito, que vê suas garantias fundamentais serem relativizadas em nome de um espetáculo político. Um advogado intimidado hoje é um cidadão indefeso amanhã.