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porto velho, quinta-feira 2 de outubro de 2025
Porto Velho entre o ontem pacato e o hoje de desafios - por Arimar Souza de Sá
Antigamente era assim: quando o trem apitava na Estação Madeira-Mamoré, a cidade ainda sonhava. Pouca luz clareava ruas e casas. Dormia-se de janelas abertas, sem medo, porque a violência ainda não tinha encontrado endereço por aqui.
Asfalto? Nem em sonho. Nos lares, o respeito aos pais era lei silenciosa, a paz reinava e os sorrisos faziam festa. Porto Velho era singela: uma linha de ferro, barcos subindo e descendo o Rio Madeira, levando e trazendo esperanças. “Lá pras bandas de baixo”, dizia o caboclo, vinham borracha, sernambi, poaia e castanha. “Eita tempo de cabra macho!”.
O cenário amazônico de belezas naturais era um quadro vivo: preguiças lentas, araras colorindo o céu, papagaios cruzando com o verde das matas virgens. Bastava deixar a cidade — que terminava pelo Mercado do Km 1 — e lá estavam os caititus, veados, antas, pacas, cotias e até a “papagaia”, a cobra voadora que assustava e fascinava.
Dos índios ecoavam histórias de flechas certeiras e encontros fatais, lembrando que a floresta tinha donos antes da cidade. Mas, apesar disso, Porto Velho era pouso de ternura, onde a família era altar e a vida se desenhava em simplicidade.
Que tempos! Onde se curtira em delírio as Manhãs de sol na quadra do Ferroviário, filmes no Cine Resky, torcidas inflamadas no Estádio Aluízio Ferreira com Moto Clube, Flamengo, Botafogo, São Domingos, Vasco, Cruzeiro, “Ferrim” e Ipiranga.
Lembranças também do Colégio Dom Bosco e das meninas do Maria Auxiliadora, desfilando de azul e branco, puras como as águas de inverno.
Recordo da Escola Samaritana, fechada em silêncio, sem nenhum protesto. Do Danúbio Azul, do Bancrévea Clube e da Casa Saudade, reduto da moda e da elite. Na Rádio Caiari, Ronaldo Medeiros encantava crianças com teatrinho infantil, enquanto Antônio Fonseca, Edinho Marques, Lucivaldo Souza, José Bonifácio e Luiz Augusto, espalhavam música e informações nos lares da cidade.
Ficam as memórias do Porto Velho Hotel — hoje Unir Centro —, da litorina, dos cassacos, dos banhos de igarapé e do catecismo duro do Padre Mário, braça à beça. Os jornais “O Alto Madeira” e “O Guaporé” davam notícias com improviso, mas com alma.
Domingo, a missa era a das oito na Catedral, com ele os sermões vibrantes de Dom João Batista Costa e o sacristão “Beleza” puxando o sino, impondo silêncio à meninada.
Lembrança das festas de gala, das calças de linho branco engomada, estalando, a Baixa do União e o time que virou Botafogo, onde meu pai, seu Ary do Carmo, deixou marcas no esporte.
A cidade crescia e logo vieram os primeiros acordes musicais — João Miguel no sax, Manga Rosa no trombone, Adamor na bateria. No comércio, o Supermercado Teixeira, foi pioneiro, onde o próprio dono, Seu Teixeira, recebia clientes na porta. Era um mundo de sonhos, rápido como trem na linha, mas eterno na memória.
Depois, a ambição: ouro, cassiterita, e madeira. Homens chegavam de todos os cantos como andorinhas de arribação. O costume da dobra e a dobra dos costumes. A boemia tinha suas “Anitas” e “Maria Eunices”, que com tempo apareciam e desapareciam na dança da modernidade portovelhense.
Hoje, Porto Velho se debate com seus fantasmas. Assaltos, furtos, drogas e vícios fizeram dos lares fortalezas. Grades sobem até o teto, cães ferozes guardam quintais, moradores vivem trancados. O medo se espalhou: tiros no escuro, trânsito caótico, vidas que se esvaem nos corredores do João Paulo II.
A cidade cresceu: prédios de apartamento, shopping, viaduto, rodoviária nova e conjuntos como Orgulho do Madeira, Morar Melhor, Cristal da Calama, cidades dentro da própria cidade. Mas cresceu também a desigualdade: falta de saneamento, sobra violência e ausência de água confiável. Porto Velho é hoje um mosaico de contrastes — memória doce de ontem contra a realidade dura de hoje.
Ainda assim, a esperança resiste em seu povo. Ela aparece no sorriso de uma criança na praça, no pôr do sol dourando o Madeira, no Dick da Madeira Mamoré, e na fé de um povo que insiste em não desistir.
E, agora, a cidade se projeta também na aposta de que o prefeito Léo Moraes possa ser o timoneiro de uma nova face para a capital rondoniense, resgatando a ternura perdida de ontem sem abrir mão da modernidade necessária de hoje.
QUE ASSIM SEJA!
SALVE PORTO VELHO NOS SEUS 111 ANOS. A FESTA É DE TODOS NÓS.
Amém!