• Fundado em 11/10/2001

    porto velho, sábado 27 de setembro de 2025

Crônica de Fim de Semana - O Coração - Entre a poesia, o ódio e a dor de cotovelo

É do coração que nascem as grandes façanhas, os surtos de coragem, as lapadas no peito aberto do desavisado e as mais inspiradas poesias...


Redação

Publicada em: 27/09/2025 10:17:52 - Atualizado

CRÔNICA DE FIM DE SEMANA

O Coração — Entre a poesia, o ódio e a dor de cotovelo

Foto - Edição Gemini

Arimar Souza de Sá

Sempre ele! Se não fosse ele, a humanidade seria insulsa, insípida, fria, ‘xacoco’, pífia, reles, chulé...
Falo do coração — esse tambor que bombeia sangue, saudade e, às vezes, raiva à beça...

É do coração que nascem as grandes façanhas, os surtos de coragem, as lapadas no peito aberto do desavisado e as mais inspiradas poesias. Ele é o culpado pelos maiores amores e pelos piores arrependimentos.

Olha só Drummond, filósofo das dores humanas:
“Mundo, vasto mundo, meu coração não é maior que o mundo. Nele cabem as minhas dores. O vasto mundo, o vasto e triste coração.”
Poesia assim é bisturi: abre o peito e remexe tudo lá dentro, sem anestesia.

Na música Fumo, Fagner e Florbela Espanca parecem ter escrito com o peito em carne viva:
“Longe de ti são ermos os caminhos. Longe de ti não há luar nem rosas. Longe de ti há noites silenciosas, há dias sem calor, beirais sem ninhos...”
O coração, ao ler isso, suspira igual adolescente que levou o primeiro fora. Ave Maria!

O compositor Accioly Neto foi direto ao ponto e pôs o dedo na ferida:
“Sei que aí dentro ainda mora um pedacinho de mim, um grande amor não se acaba assim, feito espumas ao vento...”
E é nessa hora que o coração, iludido, pede bis e ainda quer tentar de novo. Aí ‘guenta’, coração — como diria José Augusto, com aquele drama que faz até o garçom chorar.

Cecília Meireles, na sua Canção Excêntrica, suspira cansaço:
“Meu coração, coisa de aço, começa a achar um cansaço, está à procura de espaço para o desenho da vida.”
Quando até Cecília está cansada, é sinal de que o coração quer férias com tudo pago.

Pablo Neruda, como sempre, fez do coração uma revolução poética:
“Para o meu coração basta o teu peito, para a tua liberdade as minhas asas.”
E lá se vai o coração bobo, acreditando que asas bastam para fugir da desilusão — coitado, mal sabe que o pouso é forçado.

O poeta Mário Quintana explicou com delicadeza divina:
“Foram-nos dadas duas pernas para andar, duas mãos para segurar, dois ouvidos para ouvir, dois olhos para ver… mas por que só um coração? Porque o outro foi dado a alguém para nos encontrar!”
Em muitos casos, parece que entregaram esse músculo na portaria errada e esqueceram de avisar.

E Rui Barbosa, que nunca perdeu a chance de filosofar, escreveu na sua Oração aos Moços:
“Para o coração, pois, não há passado nem futuro, nem ausência. Ausência, pretérito e porvir, tudo lhe é atualidade, tudo presença.”
Traduzindo: para o Asa de Águia, o coração é uma máquina do tempo sem botão de desligar.

Pois bem, depois de tanta elucubração, voltemos ao mundo real, onde o coração é testado todos os dias — e geralmente reprovado.

Na política do passado, o coração andou aprontando das suas. Pedro Collor, movido a ciúmes, feriu de morte a imagem pública do irmão Fernando. Revelou que o presidente usou uma crise marital de Pedro para se aproximar da cunhada Tereza. Ali, nenhum dos dois teve coração — nem vergonha na cara.

Na política recente, a facada de Adélio Bispo, em Juiz de Fora, não foi só contra Bolsonaro — foi um golpe no miocárdio simbólico do país. Faltou coração ao criminoso e sobrou ódio para o noticiário e para o mandante.

E de lá pra cá, estamos mergulhados numa polarização tóxica. Cada lado acha que é dono da verdade, e o coração virou apenas músculo, sem função simbólica. O país parece um divórcio litigioso, só falta disputar na Justiça a guarda do simpático cão caramelo. No fim, o coração vai parar na mesa do advogado e o cachorro na casa de quem comprar a melhor ração.

E sejamos francos: quando Lula prometeu picanha com gordurinha passada na farinha e cervejinha gelada e entregou abóbora, é sinal de que o coração do barbudo foi perverso — ficou de pirraça na churrasqueira.

Mas sejamos justos: o coração sofre mais por amor do que por política. Sofre pelo crush que virou ex, pela mensagem visualizada e não respondida, pela playlist de sofrência que insiste em torturar a cabra apaixonada. O coração faz hora extra e não ganha adicional noturno, coitado.

E sofre mais ainda quando leva chifre — porque não há nada mais democrático que a traição. O coração é o primeiro a ser traído, a testa é coroada depois, e o coitado do corno fica ali tentando colar os cacos da dignidade no fundo da garrafa de cerveja. Alguns viram poetas, outros viram memes, e no final todos viram estatística.

Para esses, o hino oficial só poderia ser Reginaldo Rossi, psicólogo não remunerado das madrugadas de bar. Mesmo morto, ele segue cantando com a alma:
“Me dê um pouco de atenção, quero abrir meu coração e lhe contar do meu fracasso. Amo demais uma mulher que agora diz que não me quer, que sente amor em outros braços...”
E aí, metade do bar chora, a outra metade pede mais uma dose e jura que nunca mais se apaixona — até tocar a próxima música.

Aliás, a dor de cotovelo é o drama preferido da humanidade. A gente se despede do grande amor, abraça o travesseiro e fica esperando um “oi sumido” que nunca vem. A dignidade vai para o espaço quando começamos a stalkear a vida alheia às três da manhã. O coração, coitado, fica com olheiras de tanta insônia.

Quem nunca levou um fora que atire a primeira caixa de bombons — mas que sejam recheados, porque sofrer de barriga vazia é crueldade com o miocárdio.

No dia a dia, haja coração para aguentar os desvios de recursos, a corrupção que arranca dinheiro da saúde, da educação e até da aposentadoria dos velhinhos. É como se tivessem colocado o Brasil na mesa de cirurgia, feito um transplante de caráter e esquecido de costurar o peito. O resultado é esse que está aí: impunidade para uns e dor no peito para todos.

A ladroagem de parte da classe política — especialmente dos ‘cumpanheros’ — “safenou” o coração do Brasil. Desde então, vivemos à base de marca-passo moral, tentando sobreviver a cada escândalo. De tanto apanhar, o coração do brasileiro já anda protocolando pedido de aposentadoria compulsória.

Mas, quando tudo parece perdido, só resta olhar para o céu e pedir socorro. Pedir que Cristo, com o Seu Sagrado Coração, interceda junto ao Pai por juízo, misericórdia e uma pitada de esperança. Repetir, com humildade, a frase dita na Cruz:
“PAI – PERDOA-LHES, PORQUE ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM.”

Esse, sim, é o perdão do verdadeiro coração: o que cicatriza dor de cotovelo, consola corações cornificados, resgata o amor e devolve ao mundo o que ele mais precisa — humanidade.

Porque, no fundo, é o coração que faz o herói correr para salvar o amor da sua vida, que faz o político chorar no horário eleitoral, que faz o corno perdoar a ex, que faz o poeta rimar madrugada adentro e que faz o brasileiro levantar no dia seguinte dizendo: “vai dar certo”.

Um brinde, então, a esse velho coração atrevido e teimoso: que apanha, perdoa, se apaixona de novo — e ainda tem a cara de pau de bater mais forte do que da vez anterior.
Um safado, mas indispensável.

Amém!


Fale conosco