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porto velho, quinta-feira 4 de setembro de 2025
BRASIL: A aplicação da norma do Conselho Nacional de Justiça que autoriza a extinção de execuções fiscais com valor inferior a R$ 10 mil retirou dos municípios brasileiros o principal instrumento para cobrança de dívidas de IPTU. O resultado, em um ano, é a queda da arrecadação dos créditos desse imposto inscritos na Dívida Ativa.
O alerta é da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), a partir de levantamento com dados de 18 capitais brasileiras. A maioria delas apresentou queda de arrecadação dos valores de IPTU inscritos na Dívida Ativa no primeiro semestre de 2025, em relação ao mesmo período de 2024.
Segundo a entidade, esse cenário representa um estímulo à inadimplência. Para fazer o cruzamento de dados, a Abrasf atualizou os valores anteriores arrecadados em IPTU da Dívida Ativa tanto pela Selic como pelo IPCA-E, os índices mais usados pelos municípios. Pela Selic, 16 capitais tiveram uma queda na arrecadação. Pelo IPCA-E, foram 14 ao todo.
Na análise da associação, o único fator que explica essa variação é a extinção em massa das execuções fiscais voltadas a cobrar essas dívidas. A norma do CNJ entrou em vigor em fevereiro de 2024 e, até dezembro, já havia levado ao fim de 7 milhões desses processos, segundo presidente do CNJ, ministro Luis Roberto Barroso.
Grande parte deles é para cobrança de IPTU. A última edição do relatório Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro, feito pelo CNJ em conjunto com o Insper, estimou que o tributo representa 24,9% do contencioso, à época com mais de 528,1 mil processos.
Pelas normas do CNJ, a extinção da execução fiscal é possível se ela estiver há um ano sem movimentação útil. A resolução ainda fixa que novas cobranças judiciais dependem de conciliação ou tentativa de solução administrativa e de prévio protesto do título.
Segundo Ricardo Almeida Ribeiro da Silva, procurador do município do Rio de Janeiro e diretor da Abrasf, os municípios têm investido em novas estratégias de recuperação desses valores, mas os dados mostram que não foram suficientes para contrabalancear o impacto da extinção das execuções fiscais.
O protesto do título, ele alerta, é cada vez menos eficiente: tem um alto custo para dar baixa e já não exerce o mesmo poder de coerção em um país com 60 milhões de CPFs negativados e de acesso ao crédito ampliado por cooperativas e empresas de crédito popular.
“Esse cenário está levando à ideia de que ninguém mais perde imóvel por dívida de IPTU. É a ‘economia do comportamento’: o efeito psicológico na conduta de quem não teme mais essa dívida. Tirou-se o critério coercitivo, já que as dívidas de IPTU não são elevadas e o único risco seria perder o imóvel”, explica.
O ideal, na opinião do advogado, seria aplicar a posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.184 da repercussão geral, vinculante. A corte entendeu que é legítima a extinção de execuções fiscais de baixo valor pela ausência de interesse de agir.
O Plenário chegou a debater um valor de teto para a extinção em massa desses processos, mas se limitou a incluir na tese que deve ser “respeitada a competência constitucional de cada ente federado”. Para Ribeiro da Silva, isso implica delegar a análise para cada município, de acordo com as particularidades locais.
“O IPTU é o grande imposto das municipalidades e está sendo maltratado. A cobrança da dívida depende do Judiciário e, sem ele, estamos vendo o resultado: o devedor não paga e a inadimplência tende a crescer. Estávamos em uma curva de crescimento na arrecadação da Dívida Ativa”, diz.
Os dados mais “benéficos” para as capitais são os atualizados pelo IPCA-E. Nesse cenário, Campo Grande (MS), Florianópolis (SC), Manaus (AM) e Recife (PE) apresentaram um crescimento da arrecadação da Dívida Ativa referente a IPTU em relação ao primeiro semestre de 2024.
Há capitais como Belo Horizonte (MG) e Porto Velho (RO) em que a arrecadação caiu 30,9% e 27,3%, respectivamente. No caso mineiro, isso representou uma queda de quase R$ 8 milhões no semestre.
Há ainda o caso de Salvador (BA), que viu essa variação negativa alcançar 69,6%, montante que é explicado pelo fato de a cidade ter registrado arrecadação de IPTU Dívida Ativa acima da média em abril de 2024 — foram R$ 16 milhões em função de conversão de depósitos judiciais. Sem esses valores, de acordo com a Abrasf, a capital baiana ainda teria uma queda de 4% na arrecadação.