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porto velho, quinta-feira 15 de maio de 2025
BRASIL: Originalmente desenvolvidas para tratamento da diabetes tipo 2 e da obesidade, as "canetinhas emagrecedoras" foram associadas a uma incidência mais baixa de alguns tipos de câncer, como mama pós-menopausa, colorretal e de útero, previamente relacionados ao excesso de gordura corporal. Um estudo apresentado no Congresso Europeu sobre Obesidade (ECO) em Málaga, na Espanha, mostrou que, em comparação à cirurgia bariátrica, a redução de risco foi de 41%. A pesquisa também foi publicada na revista e Clinical Medicine, do grupo The Lancet.
Segundo a Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer, a diabetes 2 e a obesidade estão associadas a 13 tumores oncológicos, incluindo de esôfago, ovário, pâncreas, rim e vesícula biliar. Anteriormente, já foi demonstrado em estudos que a cirurgia bariátrica pode reduzir esse risco, mas até agora, não se sabia se o tratamento com as drogas agonistas do receptor GLP-1, como a semaglutida, liraglutida e a tirzepatida, teriam o mesmo potencial.
Os pesquisadores, liderados pelo serviço de saúde pública e semiprivada Clalit de Tel-Aviv, em Israel, resolveram investigar se a intervenção farmacêutica, além de reduzir o índice de massa corporal (IMC), tem impacto sobre a incidência de cânceres associados à obesidade. Eles usaram dados de 6.356 participantes com IMC médio de 41,5 (obesidade grau III) e diabetes tipo 2, mas sem histórico de câncer. Metade dos pacientes foi tratada com drogas GLP-1 de primeira geração, e o restante foi submetido à cirurgia bariátrica entre 2010 e 2018.
Diagnóstico
Todos foram acompanhados até dezembro de 2023 para um diagnóstico de câncer associado à obesidade. Em nota, a coautora Yael Wolff Sagy disse que a incidência da doença foi semelhante entre os pacientes tratados com os GLP-1 e a cirurgia bariátrica ao longo do acompanhamento. Porém, considerando que, para obter o mesmo efeito protetivo, os pacientes do procedimento invasivo precisaram perder o dobro do peso, os pesquisadores encontraram mais eficácia nos medicamentos. "A cirurgia tem uma vantagem relativa de maximizar a perda de peso. A contabilização dessa vantagem revelou que o efeito direto dos GLP-1, além do emagrecimento, é uma eficácia 41% maior na prevenção do câncer relacionado à obesidade."
Os autores destacam que o estudo foi observacional, ou seja, não se pesquisou a relação de causa e efeito. Já são conhecidos alguns fatores da obesidade diretamente associados ao risco de câncer, como aumento da insulina, alteração da flora intestinal e nos hormônios sexuais, além de inflamação, destaca Andrea Pereira, médica nutróloga e cofundadora da ONG Obesidade Brasil. "O controle da obesidade reduz o risco de câncer, e o estudo demonstra que o tratamento clínico é tão eficaz como a cirurgia bariátrica", diz.
Porém, os autores do estudo acreditam que o resultado evidencia que a perda de peso, sozinha, não poderia explicar completamente os benefícios metabólicos e anticancerígenos das drogas GLP-1. "Provavelmente, são múltiplos mecanismos, incluindo a redução da inflamação pelos GLP-1", acredita Dror Dicker, pesquisador do Hospital Hasharon, em Israel, e coautor da pesquisa.
Membro da Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade, o médico Valdecy Neto, especializado em nutrologia, emagrecimento e metabolismo, destaca que os medicamentos GLP-1 vão além da perda de peso. "É como se eles promovessem uma melhor modulação metabólica, uma redução maior da inflamação e tudo isso também ajuda no processo de reduzir o surgimento de câncer futuramente. Além de ajudarem na redução do apetite, esses medicamentos atuam na chamada resistência insulínica, melhorando o metabolismo, reduzindo a inflamação", diz.
Segundo Neto, ao falar em emagrecimento não se pode pensar apenas em quilos eliminados. "É o total de gordura perdida, e não de peso. Preservar o músculo também no processo de emagrecimento é primordial para melhorar essa questão do metabolismo em si, melhorar a resistência insulínica. Então, ao atuar no metabolismo e não só no peso, as 'canetinhas' criam um ambiente favorável para reduzir o surgimento de cânceres futuramente."
Efeitos colaterais
De acordo com Howard LeWine, médico do Hospital Brigham and Women's de Boston, nos Estados Unidos, as drogas do tipo não estão isentas de efeitos colaterais. Os mais comuns são diarreia, vômito, náusea e constipação. Alguns, raros, porém sérios, incluem pancreatite (inflamação do pâncreas), gastroparesia (redução na força do músculo gástrico), obstrução intestinal e cálculos biliares.
Além disso, um estudo publicado em janeiro na revista Nature com mais de 2 milhões de pacientes também encontrou um risco das medicações GLP-1 com doenças renais, incluindo de estágio avançado. "Os medicamentos GLP-1RA podem ter amplos benefícios à saúde, no entanto, eles não são isentos de riscos. Nossas descobertas destacam a possibilidade de aplicações mais amplas para esses medicamentos, mas também apontam riscos importantes que devem ser monitorados cuidadosamente em pessoas que os tomam", alertou, à época, Ziyad Al-Aly, epidemiologista e nefrologista do Hospital de Veteranos John J. Cochran, onde o estudo foi conduzido.