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porto velho, sábado 23 de agosto de 2025
CRÔNICA DE FIM DE SEMANA
O silêncio dos sinos da matriz e o sinal dos novos tempos
Arimar Souza de Sá
Meu Deus do céu! Passei defronte à Catedral do Sagrado Coração de Jesus e me dei conta: a vida me engoliu numa rotina voraz — agenda sempre lotada, compromissos que se atropelam, dias que passam sem sequer pedir licença. Faz tanto tempo — não sei dizer quanto, já perdi a conta — que não ouço os sinos da velha matriz de Porto Velho.
O tempo, cruel e implacável, levou embora esse ritual sagrado das seis da tarde e das oito nos domingos, como o vento que arranca folhas de uma árvore cansada. Ficou apenas o vazio, o eco distante na memória, a poeira de um silêncio que parece zombar daquilo que já fui capaz de sentir no passado. Que vergonha!
Velhos tempos! Tempos em que o sino, em seu toque metálico e vibrante, rasgava as manhãs de domingo para anunciar a missa das oito. E, em instantes, a assembleia se erguia como plateia da fé, ansiosa para ouvir os magníficos sermões de Dom João Batista Costa.
Em outras ocasiões, o sino também dobrava em luto — pesado, grave, carregado de dor — quando uma alma se desprendia do corpo e tomava o caminho do infinito. Belém... Belém... Belém!... Eu era menino e lembro-me bem. O som não era apenas estridente: era chama invisível, sopro divino que descia das cumeeiras do universo para tocar o coração dos homens na nossa cidade.
Naquele tempo, vergonha era virtude, honestidade era fundamento, respeito às leis e à Constituição era norte. E a palavra dada — esta sim! — era selada no fio do bigode, sólida como pedra. Palavra dada, tiro e queda! Hoje, pelo contrário, vivemos sob o império do ‘desvalor’, onde a ética se esfarela como barro ressecado e a palavra se evapora como neblina no sol escaldante da capital rondoniense.
O Deus celestial, que antes reinava absoluto nas consciências de tantos rondonienses, parece ter sido desalojado de muitos corações. Sem Ele no coração, os homens se tornaram perversos. Lobos de si próprios! E em seu lugar floresceram desertos de soberba e indiferença. Desses desertos nasceram ídolos de ocasião — os chamados ‘influencers digitais’, fabricados pela futilidade e pela ânsia de aparecer e ganhar dinheiro.
Nesse cenário, homens sem fé transformaram-se em marionetes da tecnologia, escravos das telas, ou presas fáceis de aventureiros religiosos que, explorando a crença e a dor dos incautos, vendem a Palavra a peso de ouro, transformando templos em feiras e a fé dos incautos em mercadoria vil.
Nesses instantes de reflexão, vivendo minha maturidade, ponho o pé no freio e pergunto-me, sem resposta: quem sou neste deserto sem fim? Procuro-me e não me encontro. Sinto-me como quem caminha em purgatório, em busca de redenção para os próprios pecados antes de ousar condenar os mercadores da fé alheia em meu programa diário de rádio. Quem sou eu para fazer isso, já que algumas vezes também desço ladeira abaixo?
E no meio desse turbilhão, ecoa em minha consciência uma pergunta que não consigo calar: Qual a vantagem de ser católico relaxado?
Mas, mesmo assim, perco a voz, o fôlego e até o pensamento. Fazer o quê? A agenda carregada, já sem sentido, torna-se peso morto nessa história toda, e vou para casa dormir... Meu desejo é voltar às raízes, regressar à Igreja Católica, ajeitar meu espectro espiritual e ser melhor. Quero ver novamente o sino tremendo no alto da torre, assistir à Santa Missa, beber da mesma fonte onde um dia, quando menino, saciei a alma na companhia dos meus pais e irmãos, sentados na primeira fila. Preciso — urgentemente — ter tempo para Deus!
E no instante solene que antecede a cerimônia, quero, genuflexo, pedir ao sacerdote:
— Padre, faça soar o sino! Deixe que o bronze retumbe, reverbere nos arredores da catedral, para que meus ouvidos se encham, minha memória se reacenda, meu coração se aqueça de saudade e minha fé desperte do silêncio em que o tempo a adormeceu. Quero retornar!
Que o toque, Padre, rompa este silêncio sem braços, sem pernas, sem sorriso e sem coração desta era de ferro.
Que sacuda os homens adormecidos como eu e devolva a saudade em forma de esperança. Para que, quando a rotina me sufocar, quando o peso da agenda me roubar o tempo e até o fôlego, eu caia na real e sinta o chamado do retorno para os braços de Deus.
Quero voltar à matriz, Padre, reencontrar minhas raízes, ouvir novamente o sino estremecendo os céus de Porto Velho, assistir à Santa Missa, contrito, como quem retorna ao ventre da santa fé de onde nunca deveria ter me afastado.
Quero, enfim, Reverendo, ouvir novamente o sino, ver o sino, sentir o sino, matar a saudade do sino — para acreditar que, apesar de tudo, a fé ainda resiste em meu coração, mesmo em meio ao relaxo, à correria dos dias e ao silêncio cruel dos sinos que deixei de ouvir.
Porque a saudade, teimosa, insiste em mantê-los vivos, a mea culpa clama e a vontade de voltar me toma por completo. E pode ter certeza, Padre: eles ainda estão alojados, vivinhos, no mais íntimo da minha vida.
Vou voltar! Alguém que vir comigo?
Que assim seja.
Amém!