• Fundado em 11/10/2001

    porto velho, sexta-feira 28 de novembro de 2025

Não é possível obrigar Igreja a exibir procedimento disciplinar contra padre


CONJUR

Publicada em: 27/11/2025 09:00:46 - Atualizado

Não é possível obrigar uma organização religiosa a exibir processo disciplinar eclesiástico em ação de exibição de documentos, pois o sigilo é inerente ao rito religioso e à liberdade de organização religiosa interna protegida pela lei e pela Constituição.

Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial de um órgão da Igreja Católica para desobrigá-lo de exibir o processo interno contra um padre.

O pedido de acesso ao documento foi feito por uma pessoa que foi estuprada pelo religioso. O processo disciplinar culminou em suspensão por três anos e recolhimento em instituição de ajuda a sacerdotes.

Entre as informações disponíveis, há a comprovação de “comportamentos e atos de cunho homossexual e de infidelidade à promessa do celibato, com escândalo, e não condizentes com a dignidade do sacerdócio”.

O Tribunal de Justiça de São Paulo mandou a Igreja exibir o documento por entender que a preservação de dados e aspectos privados não se sobrepõe ao direito do autor de obter informações esclarecedoras sobre fatos aos quais está relacionado.

Por unanimidade de votos, a 4ª Turma do STJ reformou essa posição. Relator da matéria, o ministro Raul Araújo entendeu que a exibição do documento pode ser rejeitada com base no artigo 404 do Código de Processo Civil.

A norma diz que um terceiro pode recusar o pedido de exibição se representar perigo de ação penal, acarretar a divulgação de fatos a cujo respeito deva guardar segredo ou redundar em desonra à parte ou ao terceiro.

Liberdade religiosa

Segundo Araújo, o fato de o padre se sujeitar ao processo penal eclesiástico representa o exercício de sua liberdade religiosa. É possível que tenha confessado fatos prejudiciais a si mesmo, confiando no sigilo religioso.

Assim, permitir o acesso ao documento, certamente com a intenção de usá-lo com pretensões cíveis ou penais, abre o risco de violação à garantia constitucional de não produzir prova contra si mesmo.

“Evidente, diante da natureza do vínculo entre sacerdote e Igreja, o risco de que a exibição do documento possa ‘representar perigo de ação penal’”, disse o ministro.

O voto também identifica a incidência da hipótese legal de recusa à exibição de documento, quando sua publicidade redunda em desonra à parte ou ao terceiro.

Garantias fundamentais

Para o relator, a pretensão da organização religiosa não é a ocultação de fatos prejudiciais, mas exercer as garantias fundamentais de seus fiéis e sacerdotes, protegidas pela Constituição e pelo legislador ordinário.

“De nada adiantaria ao ordenamento jurídico garantir, de um lado, a liberdade das organizações religiosas e a prerrogativa de definir seus ritos e regras de funcionamento — inclusive para fins de prestigiar o sigilo —, mas, de outro, esvaziar tal proteção ao compelir a instituição a ofertar ao autor acesso ao procedimento sigiloso, uma vez concluído.”

Ele concluiu que o julgador não pode decidir a questão à luz da suposta prevalência do direito à prova, como manifestação da garantia do devido processo legal, em detrimento da liberdade de crença e de organização religiosa.



Fale conosco