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    porto velho, quinta-feira 25 de abril de 2024

De nada adianta se lamentar pelas perguntas não feitas em audiência

As dúvidas referentes ao modo de se efetuar as perguntas no ambiente do Processo Penal são reiteradas e não existe uma “regra de ouro”; isto é, ainda que tenhamos...


ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

Publicada em: 09/04/2021 11:08:58 - Atualizado

1) Planejar as Perguntas: As dúvidas referentes ao modo de se efetuar as perguntas no ambiente do Processo Penal são reiteradas e não existe uma “regra de ouro”; isto é, ainda que tenhamos algumas balizas e indicadores, o roteiro de perguntas dever levar em considerações os aspectos inerentes ao tipo penal, o contexto do caso penal e os agentes processuais. Por mais que seja desafiadora e complexa a preparação, sem ela, os riscos associados são bem maiores (probabilidade x consequência).

2) Lamentar Não Muda o Passado: De nada adianta, depois da audiência, lamentar-se por não ter feito uma pergunta importante. Operou-se preclusão. É uma das manifestações do Espírito da Escada de Denis Diderot, ou seja, a resposta correta veio depois que se estava descendo a escada do Tribunal — e não no momento necessário. A ação chega atrasada. Quantas vezes o agente pensa: eu deveria ter feito isso quando a testemunha disse x... Daí que se instaura um processo recorrente de reavaliações dos movimentos processuais. É o sintoma da ausência de preparação por meio de árvores de perguntas ou, ainda, da heurística do excesso de confiança (o agente confia demais em si mesmo; bem comum).

3) Distinguir o Sinal do Ruído: O que interessa é a percepção da testemunha em face dos dados de realidade e não, em regra, as suas inferências ou opiniões. A criação de metodologia robusta da noção de Cadeia de Custódia da Memória (Contexto de Aquisição e Contexto de Evocação) tende a melhorar o controle epistêmico da “prova testemunhal”, distinguindo o “sinal” (dado do evento) de “ruído” (inferências ou informações acrescidas).

4) Prova Testemunhal: A testemunha evoca a memória (reinscrita, por definição) de três formas: a) objetivamente (descrição independente dos eventos que percebeu); b) subjetivamente (narrativa explicativa da causa-efeito do evento, a partir de seus conhecimentos, ideias e crenças; estabelece “a sua opinião do evento”; e, c) construtivista (a explicação decorre da negociação entre a percepção da realidade, os conhecimentos, ideias e crenças do agente, além das informações incrementadas por terceiros ou pela tempo de reflexão). Prevalece, em geral, a noção construtivista, em que aos dados de realidade são atribuídas inferências decorrentes do Esquema Mental da fonte humana.

5) Pressupostos: O planejamento de perguntas eficazes pressupõe a verificação antecedente de que a testemunha (fonte humana): a) teve contato, pelos sentidos (visão e audição, em geral), com os dados do evento objeto do Caso Penal; b) percebeu a realidade parcialmente (é impossível, por definição, a apreensão de todos os dados e detalhes do evento); c) determinou a melhor explicação de causa e efeito do conjunto de dados (Inferência pela Melhor Explicação: IME); d) utilizou os critérios e preferências pessoais, decorrentes de sua formação, conhecimentos e qualificação profissional (aderentes ou não com as regras legais, científicas etc.); e) organizou hierarquicamente a importância e peso dos dados de realidade, compondo narrativa muito complexa ou detalhista; f) ajustou as percepções iniciais às informações obtidas posteriormente (agentes públicos, mídia e/ou terceiros).

6) Estatuto da Testemunha: a) agente público; b) vítima; c) informante; d) testemunha; e, e) perito.

7) Função Estratégica: a) esclarecer; b) confirmar; c) descrever; e, d) negar.

8) Objetivos: a) conectar; b) colidir; ou, c) confundir.

9) Depoimento Como se Fosse História em Quadrinhos: Todos nós já lemos histórias em quadrinhos (livro, gibi, prospectos etc.), em que a forma indica a cronologia dos eventos. Por mais básico que possa parecer, a utilização da metáfora dos quadrinhos reduz a sobreposição da sequência dinâmica da percepção do evento. O enquadramento situacional da testemunha (observador da realidade e do evento, desde um lugar fixo, provido de aspectos cognitivos e emocionais), relatada na forma de sequência de quadrinhos, possibilita que se isolem as condições de apreensão da realidade (p.ex. se a testemunha estava de costas, não pode ter “visto”, mas apenas “ouvido”). A forma do questionamento se altera. Antes de se perguntar sobre o que a “testemunha viu”, será preciso identificar o “lugar de onde viu”, as circunstâncias do “contexto em que viu”, para somente então, sem adjetivos, indagar-se: “Considerando que a testemunha estava ‘exatamente’ no local X, fazendo Y, sob as condições Z (estado emocional e foco de atenção no momento do evento), descreva-me, por favor, “como se fosse uma história em quadrinhos”, a sucessão cronológica do que foi percebido (não as suas conclusões).

10) Uso de Realidade Aumentada e Recursos 3D: Memória é mais reconstrução do que reprodução. Nos iludimos de que nossa visão tira fotografias da realidade. Em geral não vemos boa parte do que olhamos, mas como acreditamos que só há o que conseguimos ver, o não visto está fora do havido (como se não existisse). Diferentes pessoas tendem a ver coisas diferentes olhando para a mesma cena. A reconstrução do contexto é importante para o fim de identifica eventuais “erros de continuidade”. A apreensão da realidade depende tanto da capacidade de ver, quanto de fatores contextuais, em geral, difíceis de se isolar e superar. A reconstrução da cena do evento, com recursos tecnológicos (p.ex. em 3, 4, 5 D ou Realidade Aumentada), situando o local em que a testemunha alega ter percebido o evento (campo de visão, distância, perspectiva etc.), associado a características pessoais (altura, limitações visuais etc.) e as versões apresentadas pelas demais fontes de prova, melhora a compreensão e a possibilidade de demonstração, especialmente ao julgador, das inconsistências e incoerências. Auxilia, também, na separação do que foi efetivamente percebido e o que foi incrementado, na linha da Cadeia de Custódia da Memória;

11) Desvelar a Testemunha Oportunista: A tática de encadeamento das perguntas deve ser preparada em árvores/grafos (Planos de Ação), sabendo-se, de antemão, qual o curso de indagações, ‘se a testemunha disser isso, em seguida pergunto isso; caso diga que não sabe, pergunto aquilo’. A emboscada é uma tática bem coordenada que busca proporcionar, pela surpresa/trunfo, a derrota da credibilidade ou da fiabilidade da fonte humana. Será necessária certa dose de dissimulação para se levar o depoente ao ponto em que a ação deverá ser realizada. Pode ser durante o depoimento da testemunha, por exemplo, em que se conduz ao ponto em que deve, necessariamente, contradizer o que foi dito antes. Depois, deve existir uma tática para exploração ostensiva do efeito surpresa, sem que se deva, no caso de testemunha, humilhá-la.

12) Obtida a Vantagem é Hora de Parar: É muito comum, depois de emparedar a testemunha, que o agente queira insistir na demonstração da falsidade do conteúdo, incidindo em erro tático (não é o lugar e a função). Jamais sorria ou cante vitória. A postura não causa boa impressão e pode gerar o efeito inverso. No momento em que a testemunha se atrapalha, fica em silêncio porque não sabe o que dizer, titubeia, é o ponto em que se deve parar: não tenho mais perguntas. Não há prova real que auxilie mais, porque passa a ser ‘esculacho’, postura descortês. O subjogo/round está vencido e ninguém precisa dar a volta olímpica antes de o jogo acabar. Para isso será necessário treinamento, visão global, foco na estratégia e controle emocional, monitorando-se o efeito em face do julgador.

13) Roteiro Sugerido: a) cronológico; b) ponto de vista no evento; c) descrição do primeiro contato; d) primeira explicação; e) novas informações (como e de quem obteve); f) conteúdo do diálogo com terceiros; g) “ajustes” ou “novas explicações”; h) substituição da primeira explicação; i) incremento de dados da vítima e/ou do acusado; j) informações incorporadas antes do depoimento na investigação preliminar; l) informações da mídia; e, m) conversas com amigos, familiares ou terceiros sobre a explicação do evento.

14) Desafio Comunicacional: Sem um roteiro mínimo, devidamente baseado em evidências decorrentes da construção adequada da Teoria do Caso, a tendência é de que o desempenho fique à mercê de fatores não estimados, potencializando os riscos de resultados adversos. A excelente pergunta não realizada no momento oportuno é sintoma de amadorismo. Como adverte, por fim, César Luiz Pasold: “Atribuir-se à comunicação e às relações humanas um papel quase acidental é uma das principais fontes geradoras de ineficiência e ineficácia nas atividades pessoais, profissionais e organizacionais”.

15) Planejamento e Estratégia: Diagnosticar, planejar e monitorar a execução de “planos de ação” metodologicamente validados tende a reduzir as surpresas do percurso processual e a perda de chances processuais que, pelo detalhe, podem mudar os rumos do desfecho. Além disso, evita o lamento posterior decorrente de constatação da própria ineficiência. Esse é um dos desafios do Guia do Processo Penal Estratégico (EMais Editora).



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