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porto velho, sábado 20 de setembro de 2025
Em meio a intensos os debates públicos, crises institucionais e julgamentos históricos, muitos cidadãos se veem diante de uma escolha que parece simples, mas carrega implicações profundas: é melhor ter razão ou ser feliz? Essa pergunta, que circula no senso comum como justificativa para o afastamento dos conflitos políticos, revela uma tensão entre o desejo de paz individual e a responsabilidade coletiva.
A acertada prisão e julgamento de figuras públicas, como o ex-presidente e os envolvidos na tentativa de Golpe, bem como outro eventos de violência política, são marcos que exigem reflexão sobre o papel do cidadão diante da democracia. Mas por que tantos escolhem o silêncio? Ou só frequentam a “festa pobre” dos iguais?
Felicidade como refúgio: o conforto da não participação
Epicuro dizia que a felicidade está na ausência de dor e na busca do prazer moderado. Viktor Frankl, por outro lado, defendia que o sentido da vida está em assumir responsabilidades, mesmo em meio ao sofrimento. Hannah Arendt nos alertou sobre os riscos da banalidade do mal quando deixamos de pensar criticamente. E John Dewey acreditava que a democracia exige participação ativa, não apenas votos.
Esses pensadores nos ajudam a entender que a felicidade não pode ser confundida com indiferença. Ser feliz não é se esconder da realidade, mas enfrentá-la com coragem e lucidez. Ter razão, por sua vez, não é vencer debates, mas sustentar princípios éticos mesmo quando eles nos colocam em posições desconfortáveis.
O julgamento pelo STF de abusadores do país, por exemplo, são eventos que mobilizam diferentes interpretações jurídicas e morais. O cidadão que escolhe não se informar ou não discutir esses temas pode estar, sem perceber, abrindo mão de sua capacidade de influenciar os rumos da sociedade. Como escreveu Mill em Sobre a Liberdade, “a indiferença é o maior inimigo da liberdade”. Banalizar a democracia pela soma ou mera constituição de uma maioria, pode ser uma saída perigosa. O voto, torna-se nadificado.
Esse alerta reforça a ideia de que o silêncio não é neutro. A não participação pode ser confortável, mas não é necessariamente segura. Em momentos de crise, a ausência de posicionamento pode ser interpretada como consentimento tácito. Porém a democracia exige mais do que espectadores. Ela precisa de vozes, de escuta ativa, de diálogo e de posicionamento. Não se trata de escolher entre razão e felicidade, mas de compreender que ambas podem coexistir quando há compromisso com o bem comum. Ser feliz pode ser ficar do lado da razão.
Ser crítico, consciente e posicionado: o caminho da liberdade?
A filosofia nos oferece múltiplos caminhos para pensar esse dilema. Sócrates, ao aceitar sua condenação, mostrou que a busca pela verdade pode custar a vida, mas garante a integridade. Rousseau, por sua vez, defendia que “o homem nasce livre, mas por toda parte está acorrentado” — e essas correntes muitas vezes são invisíveis, feitas de conformismo e medo do dissenso.
A ideia de que “ser feliz” significa evitar o dissenso é uma construção social que merece ser desafiada. A felicidade que se sustenta na alienação pode ser frágil.
Como escreveu Simone Weil, “a atenção é a forma mais rara e pura de generosidade”. E talvez seja isso que a democracia mais precise: cidadãos atentos, conscientes e dispostos a pensar; mesmo que isso custe a paz aparente. Ainda há muito a tornar público e dito para os que devem ter ouvido para ouvir e boca para emoções do coração que celebra o dia em que a exclusão política e social seja uma palavra e adjetivos obsoletos.
Contexto Local.
Façamos uma transposição para a Gestão Universitária, atualmente verticalizada de forma expressiva nas ações do MEC. Aqui em Rondônia, essa gestão universitária atual tem se caracterizado por ações técnicas e organizativas conduzidas por pessoas capacitadas, que ocupam cargos de poder e estão em condições de executar mudanças estruturais. Para muitos, esse cenário é suficiente: se quem sabe está fazendo, não há por que se envolver. Essa lógica, embora funcional, levanta questões sobre o papel da comunidade acadêmica na construção de uma universidade democrática, crítica e plural.
No entanto, a autonomia não se realiza na passividade. A razão prática exige que o sujeito se posicione, não apenas por interesse próprio, mas por dever ético. A universidade, como espaço público de formação crítica, não se sustenta apenas pela competência técnica dos gestores, mas pela participação ativa de seus membros.
Na UNIR (Federal de Rondônia), o desafio não é apenas (re)organizar a casa, mas cultivar uma cultura de corresponsabilidade. A felicidade acadêmica não pode ser confundida com a alienação confortável. Como escreveu Hannah Arendt, “o poder pertence ao povo enquanto ele o exerce.” No contexto universitário, esse povo é composto por docentes, técnicos, estudantes e gestores; todos com voz e responsabilidade. Quando decisões são tomadas sem o envolvimento da comunidade, mesmo que possam estar tecnicamente corretas, perde-se a oportunidade de formar cidadãos críticos, conscientes e preparados para lidar com a complexidade do mundo e ter os olhos para o engajamento efetivo dos que fazem o serviço público.
Finalmente contarmos com pessoas capacitadas no poder é, sem dúvida, um avanço institucional. Mas a crítica a eventuais desatinos temperados pela fome traiçoeira do suposto poder atribuído a efêmero cargo, não deve ser vista como oposição, e sim como parte do processo de aprimoramento. Karl Popper nos lembra que sociedades abertas se fortalecem pela crítica racional. Silenciar diante do que está sendo feito, consagrando-o como já bem feito ou porque há certa demora para corroborar o amadurecimento institucional, é renunciar à possibilidade de contribuir com o aperfeiçoamento coletivo.
Evitar o dissenso pode parecer um caminho legítimo para a felicidade, mas é uma felicidade frágil, que se limita ao conforto imediato. Viktor Frankl nos lembra que a verdadeira realização nasce do engajamento com algo que transcende o próprio bem-estar. Na universidade, esse “algo maior” se traduz no compromisso com a formação crítica, a pesquisa transformadora e o impacto social. Que tal irmos além da busca por aprovação institucional? Tirar nota máxima no MEC, sim; mas com uma Universidade verdadeiramente popular, onde graduação e pós-graduação sejam espaços vivos de estudantes... que estudam, questionam e transformam. E tudo isso com salas cheias, taxas de sucesso elevadas e orçamento próprio, como consequência?
Saiba mais?
Arendt, Hannah. Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. Reflexão sobre a responsabilidade individual e o pensamento crítico diante do mal. Resumo e contexto: https://pt.wikipedia.org/wiki/...
Arendt, Hannah. Resenha analítica: https://www.jusbrasil.com.br/a...
Dewey, John. Democracy and Education. A democracia como prática cotidiana e forma de vida. Texto completo (domínio público): https://www.gutenberg.org/eboo...
Epicuro. Carta a Meneceu. A felicidade como ausência de perturbações e busca do prazer moderado. Texto comentado: https://filosofianaescola.com/...
Frankl, Viktor. Em busca de sentido. A felicidade como consequência de uma vida com propósito. Informações sobre a obra: https://www.vozes.com.br/em-bu...
Kant, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. A ética do dever e da autonomia racional. Texto completo (domínio público): https://www.dominiopublico.gov...
Mill, John Stuart. Sobre a Liberdade. A indiferença como ameaça à liberdade individual e coletiva. Texto completo (domínio público): https://www.gutenberg.org/eboo...
Popper, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. Paradoxo da tolerância e defesa da democracia contra a intolerância. Resumo filosófico: https://www.filosofia.ufrgs.br...
Weil, Simone. Esperando por Deus. A atenção como forma de generosidade e resistência ética. Informações sobre a obra: https://www.amazon.com.br/Espe...
Noticia. Cidadania para além das eleições. https://www.otempo.com.br/opin...
Notícia. Participação social. https://www.gov.br/secretariag...