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porto velho, sexta-feira 15 de agosto de 2025
CRÔNICA DE FIM DE SEMANA
Quando o civismo vencia o cinismo e marchávamos ao som da fanfarra do Carmela Dutra
*Arimar Souza de Sá
Esta semana, ao levar meu filho para se apresentar no Exército Brasileiro, em Porto Velho, desembarquei do carro no exato momento em que a bandeira nacional era içada ao mastro, envolta em todo o ritual que marca a vida em um quartel militar. O som solene do hino, o toque firme da corneta, o compasso preciso dos coturnos e a postura imponente dos soldados marchando — tudo me trouxe, de imediato, uma enxurrada de lembranças.
E, num salto repentino da memória, voltei ainda mais no tempo, à minha adolescência, como estudante do Colégio Carmela Dutra — como quem folheia as páginas amareladas de um livro antigo escrito nesta cidade.
No Carmela, minha segunda casa, o dia começava com um ritual quase sagrado, momentos antes de entrarmos na sala de aula. No pátio, alinhados como pequenas sentinelas, colocávamos a mão direita sobre o coração e entoávamos o Hino Nacional com a precisão de um coral afinado pelo amor ao Brasil. A letra vinha inteira, “na ponta da língua”, como poema gravado na alma.
Atenta, como um farol em noite de neblina, estava a diretora Odaléa Sadeck, acompanhada da inspetora Verônica Cordovil, que empunhava uma varinha em uma das mãos para, com leves toques e gestos firmes, corrigir a postura dos alunos mais inquietos. Sua simples presença bastava para fazer os engraçadinhos corarem, endireitarem a postura e silenciarem qualquer tentativa de bagunça. E um único olhar de reprovação da dona Odaléa cortava o ar como um relâmpago e devolvia a todos a compostura solene.
Em sala de aula, a disciplina Educação Moral e Cívica era tão constante quanto o cheiro do giz descendo pelo quadro-negro. Ensinava-nos não apenas as linhas da história, mas o peso de carregar o nome do Brasil no peito, compreendendo a grandeza do seu descobrimento e a saga de seus heróis.
Hoje, com tristeza, vejo o civismo ceder lugar ao cinismo, ao sabor das ideologias de certos radicais. Até o Hino Nacional, outrora intocável, foi alvo de alterações grotescas na voz de uma jovem militante de esquerda — algo tão impensável para nós quanto imaginar o céu de setembro sem o azul das bandeiras ou sem a fanfarra do Carmela Dutra, com suas tubas, trombones de vara e músicos impecavelmente fardados, de quepe na cabeça.
Entre os mestres do Carmela que marcaram minha vida, recordo-me com nitidez da professora de Português, Mirian Teixeira, mãe do hoje juiz Sérgio Willian, do professor da UNIR, Marcos Teixeira e de César Teixeira. Rígida como compasso de maestro, exigia perfeição na silabação, na ortografia e na pronúncia. Nem mesmo o amor materno lhe suavizava o rigor — seus filhos eram tratados como qualquer outro aluno, pois, para ela, todos mereciam a mesma disciplina, sem concessões.
Foi no Carmela Dutra também que cultivei amizades que floresceram para a vida inteira: Sérgio Willian, juiz de direito, Swami Lacerda, ex-secretário de Educação; Paulo Monteiro; o Paulo Abemor, hoje delegado de polícia; Dimas Queiroz Jr., advogado; e seu irmão mais velho, Dimarcy Menezes — este último, de uma geração pelo menos dez anos anterior à nossa, funcionava como um “tio mais velho”, sempre pronto a aconselhar, chamar à razão e, quando necessário, ensinar mais pelo silêncio do que pelas palavras. Éramos adolescentes com nossas travessuras e tropeços, mas todos, graças a Deus, nos tornamos homens de bem.
O 7 de Setembro era o grande dia. As ruas no entorno do colégio, seja nos ensaios ou no próprio Dia da Pátria, transformavam-se em rios de cor, som e alegria. Marchávamos com garbo, as congas escolares batendo no asfalto em compasso com a fanfarra. As bandeiras tremulavam como se o próprio vento quisesse celebrar conosco. O cheiro doce do algodão-doce misturava-se ao da pipoca, vindo da praça Aluízio Ferreira, compondo um cenário perfeito para a alegria simples de ser brasileiro. Eu vestia o uniforme do Carmela Dutra como quem veste uma armadura de honra: camisa branca, calça azul, com uma fita vermelha na lateral.
Mais tarde, já adulto, muitas vezes, ao caminhar pelas ruas de Porto Velho, passava defronte à Brigada Militar justamente próximo das oito da manhã, a caminho do Palácio Presidente Vargas, onde trabalhava. Lá estavam os soldados, em formatura, marchando ao som da corneta, executando com precisão a ordem unida.
Nesses dias, o sol generoso dourava as fachadas simples das casas da Rua Duque de Caxias, e o vento, vindo do Madeira, trazia consigo o cheiro úmido de terra e da história rondoniense. Cada esquina parecia sussurrar lembranças de um tempo em que amar a pátria era natural, livre de justificativas ou ideologias mesquinhas.
Hoje, olhando para o retrovisor da minha existência, pergunto-me: por que os novos tempos deixaram essa atmosfera feliz se esvair?
Por que os alunos já não respeitam o professor, cuja presença antes esplendia em sala de aula como autoridade incontestável?
Porto Velho, com suas ruas que ainda guardam minhas pegadas de menino, foi o berço onde aprendi que o amor à pátria, o amor ao seu hino, não se ensina apenas nos livros — ele se vive, se canta, se marcha, se respeita.
Que as histórias que vivi, ao lado dos amigos que marcharam comigo, não se percam no esquecimento, mas avancem pelo tempo, firmes e luminosas como a bandeira que, em tantas manhãs azuis de setembro, tremulou sobre nossas cabeças no Carmela Dutra e guiou muitos dos sonhos que realizamos hoje.
E, enquanto a memória me for fiel e a mente conservar seu vigor, continuarei a registrar com carinho essas passagens que não se apagam — tal qual um clarim que atravessa décadas e segue ressoando no coração de quem o ouviu.
QUE ASSIM SEJA!
AMÉM!
*O autor é jornalista e advogado.