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porto velho, sexta-feira 10 de outubro de 2025
CRÔNICA DE FIM DE SEMANA –
SOU IMPACIENTE E TENHO MOTIVOS DE SOBRA
Arimar Souza de Sá
Os dias me atravessam como setas. Às vezes, acordo com a sensação de que o Brasil inteiro perdeu o compasso — e virou um cabaré de quinta... O clamor social apavora, e a desesperança faz folia nessa aventura de túmulos gestados pela impaciência humana. O tic-tac do relógio me incomoda: nascimento, vida e morte, sempre no mesmo compasso. Nas ruas de Porto Velho, o cansaço se revela cedinho. Trânsito travado, “espertos” furando fila, buzinas nervosas e manchetes sombrias no rádio do carro compõem o retrato de um país esgotado.
A paciência virou artigo de luxo: falta nos hospitais, repartições, conversas e redes sociais, onde a busca por likes transforma a fama em mercadoria e o caráter em mero detalhe.
Entristece-me ver filas intermináveis nos hospitais e o desprezo pelos pacientes que esperam por uma cirurgia ou uma simples radiografia — vítimas de uma “regulação” que, em Rondônia, virou deboche. No João Paulo II, homens e mulheres se amontoam em macas, como em tempos de guerra — um horror, um pecado mortal coletivo.
Mesmo na maturidade, continuo inquieto diante da burrice abissal das trevas que sufocam a inteligência e o conhecimento humano. Quando a serenidade me visita, a inteligência me agrada, a sabedoria me apavora favoravelmente, e a burrice de certas autoridades me faz lastimar.
Como pode a Assembleia conceder título de cidadão a Benjamin Netanyahu e a um personagem enrolado até o talo no escândalo do INSS? É zombar da ética e da história de um povo que ergueu este Estado com suor e esperança. Lamentavelmente, a politicagem, as vaidades e o compadrio substituíram a razão. As decisões judiciais, às vezes, afrontam o próprio Direito. E a moral derretida de “gente grande” apaga tradições e memória. Credo, como essa gente virou lobo de si própria!
Revolto-me com os solavancos do cotidiano — no crepitar dos fardos que carrego, seja como comunicador, no programa A Voz do Povo, seja no exercício do Direito. Talvez, por envelhecer mais um ano no último dia 06/10, tenha ficado mais exigente e não tolere os templos onde o vil metal é exaltado sob o pretexto de “religar o homem à divindade”, nem os políticos que criticam adversários e depois repetem seus erros.
Sinto-me impaciente com a fome que grassa em pleno século XXI, enquanto o governante diz tê-la erradicado e doa o suor do povo às ditaduras para fortalecer ideologias. Assusta-me a violência que domina as cidades, com mães sepultando filhos, e entristece ver pais que abdicam de educar, deixando os rebentos expostos às telas, às ruas e às drogas.
Quando a dor me abate, rogo a Deus que não a entregue a mais ninguém — nem a do corpo, nem a da alma, nem a da fome que açoita os pedintes das ruas. Mesmo impaciente, gosto de ver as chuvas do inverno amazônico: nelas, sinto o banho de Deus na humanidade portovelhense.
Talvez por isso eu me reconheça impaciente — não com o tempo que passa, mas com o que se desperdiça em discussões inúteis.
À noite, tento desanuviar, mas a TV despeja guerras de narrativas da tal polarização e muita violência.
Porque sou impaciente, quero para mim e para todos um espaço digno de viver — como os passarinhos que beijam as flores nos ninhos celestiais do Criador.
Rejeito toda torpeza e consagro a vida que levo nos meus momentos de paz. Vibro com o sorriso das crianças e o olhar sereno dos mais velhos.
Curvo-me à experiência dos mestres — e à grandeza da sabedoria humana, especialmente quando entrevisto o ex-senador Amir Lando.
Adoro a quilometragem dos anos e a busca incessante do saber e seu exercício.
Quero permanecer simples: leitor inveterado, amante do rádio, do sol e da poesia.
Escrevo crônicas desde a década de 1980 e as gesto vestindo-me da inocência dos tempos da Baixa da União, quando eu teimava que a lua era o sol e que nela morava São Jorge, espada em punho, pronto para matar os inimigos do mundo.
Reconheço: somos iguais na essência e na vontade de Deus.
No final, com o sinal da cruz, repito a oração que me comove:
“Benditos sejam os que chegam em nossas vidas em silêncio, com passos leves, para não acordar nossas dores, não despertar nossos fantasmas, não ressuscitar nossos medos.”
“Benditos sejam os que se dirigem a nós com leveza, falando o idioma da paz.”
“Benditos sejam os que tocam o coração com carinho e aceitam nossos erros e imperfeições.”
“Benditos sejam os que escolhem ser doação.”
“Benditos sejam, enfim, os seres iluminados que nos chegam como anjos, flor ou passarinho, que dão asas aos nossos sonhos e escolhem ficar e ser ninho ao lado de nossas fraquezas.”
E lembro Mário Quintana:
“Eles passarão... eu, passarinho.”
E, somente assim, nas sendas da poesia e da resiliência, talvez um dia minha impaciência se dissolva no colo da eternidade.
Por enquanto, vou tentando administrá-la como Deus vai deixando.
Que assim seja. Amém!