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    porto velho, sexta-feira 28 de fevereiro de 2025

Oposição à sustentação oral virtual gera impasse entre advocacia e CNJ

Para os magistrados brasileiros, essa hipótese é inviável: não há como os tribunais julgarem presencialmente...


CONJUR

Publicada em: 27/02/2025 07:57:34 - Atualizado

BRASIL: A recente padronização de procedimentos para julgamentos virtuais no Brasil, feita pelo Conselho Nacional de Justiça, está causando um impasse entre advocacia e Poder Judiciário.

Para os advogados, todo e qualquer pedido de destaque formulado em processos com matéria de mérito e possibilidade de sustentação oral deve obrigatoriamente levar o caso da pauta virtual para a presencial.

Para os magistrados brasileiros, essa hipótese é inviável: não há como os tribunais julgarem presencialmente tantos processos sem prejudicar a duração razoável do processo e a produtividade.

O impasse é amplificado por uma blitz legislativa sobre o tema. O Congresso Nacional tem três projetos de lei, uma proposta de emenda à Constituição e um projeto de decreto legislativo reagindo às determinações da Resolução 591/2024 do CNJ.

A norma padronizou os procedimentos para julgamentos virtuais no Brasil, que já aconteciam de acordo com os desígnios de cada tribunal e foram amplificados desde a crise sanitária da Covid-19, com diferentes níveis de transparência.

O CNJ decidiu que as sessões devem ser públicas e com acesso em tempo real a todos, com possibilidade de manifestação dos advogados, inclusive, para esclarecimento de fatos. O ponto que desagradou à advocacia está no artigo 8º, inciso II, que diz que partes e Ministério Público podem formular pedidos de destaque, para retirada do processo da pauta virtual, os quais precisam ser deferidos pelo relator.

Entidades da advocacia reagiram imediatamente por entender que a resolução viola a prerrogativa de sustentar oralmente de forma presencial. Para constitucionalistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, o CNJ extrapolou a própria competência.

Em petição ao CNJ, o Conselho Federal da OAB pediu a mudança da norma para que, nos processos com matéria de mérito e possibilidade de sustentação oral, os pedidos de destaque ao plenário presencial feitos pelos advogados sejam automaticamente acolhidos. Como não cabe recurso contra acórdão do CNJ, o pedido não foi conhecido. Ainda assim, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do conselho, esclareceu que os tribunais têm autonomia para criar mais hipóteses de destaque.

“A sustentação oral só deve ser feita por gravação onde a sustentação presencial crie uma tal disfuncionalidade para o tribunal que isso seja imperativo”, disse Barroso no plenário do CNJ, durante a 1ª Sessão Ordinária de 2025. “A resolução foi para melhorar a vida, e não para piorar a vida dos advogados”, defendeu o ministro. “A regra geral deve ser a sustentação síncrona com a presença do advogado.”

Para todo mundo não vai dar

A possibilidade de pedidos de sustentações orais presenciais criarem disfuncionalidades para os tribunais brasileiros é bastante plausível e já foi experimentada, depois que foi promulgada a Lei 14.365/2022. A norma alterou o Estatuto da Advocacia para aumentar as possibilidades do uso da sustentação oral para recursos contra decisões monocráticas que julguem o mérito ou não conheçam de recursos ou ações.

Houve, então, uma explosão do número de sustentações orais nas sessões de julgamento por todo o país. No Superior Tribunal de Justiça, as turmas criminais experimentaram sessões com 47 pedidos de manifestação dos advogados. Isso gerou reações. Decidiu-se, por exemplo, que a lei agora permite sustentação oral no agravo interno ou regimental contra a decisão em recurso especial (REsp), mas que isso não vale para o agravo regimental contra o agravo em recurso especial (AREsp).

Outros colegiados do STJ, como a 3ª Turma, passaram a enviar automaticamente para a pauta virtual todos os casos com pedido de sustentação oral em recursos contra decisões monocráticas. Nas turmas criminais, os ministros perceberam uma tendência curiosa: conforme os casos iam sendo enviados para a pauta virtual, o grande interesse da advocacia em fazer sustentação oral diminuía drasticamente.

No Supremo Tribunal Federal, onde o julgamento virtual representou uma revolução em meio à crise da Covid-19, a resistência da advocacia foi sendo vencida com algumas medidas de transparência: os ministros só conseguem votar depois de acessar os arquivos enviados, como a sustentação oral virtual, e os que não se manifestam não têm o voto considerado.

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti disse à ConJur que reconhece a importância da eficiência no Judiciário e que a OAB está comprometida em contribuir para a celeridade processual. “No entanto, a sustentação oral não pode ser tratada como um entrave, mas, sim, como um componente essencial para uma Justiça de qualidade.”

“Cabe também ao Judiciário fazer sua parte com maior respeito ao sistema de precedentes e alinhamento com as jurisprudências dos tribunais superiores. Estamos abertos ao diálogo com os tribunais para encontrar soluções que conciliem a agilidade processual com o pleno exercício do direito de defesa. É fundamental, contudo, que a busca por eficiência não ocorra às custas da qualidade e da legitimidade das decisões judiciais”, afirmou ele.

Choque de realidade

Outros advogados ouvidos pela ConJur são céticos quanto à utilidade de uma sustentação oral gravada e enviada com antecedência. Eles dizem que não há como saber se o julgador realmente assistiu ou ouviu a fala. E ponderam que o impacto mais grave vai ocorrer nos tribunais de apelação, em que há análise de fatos e provas, e efetiva revisão dos casos concretos.

Já magistrados veem um benefício nas sustentações gravadas: a possibilidade de acompanhar a fala do advogado com calma e no momento oportuno para se debruçar sobre o processo. Em recente palestra na Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), o ministro Paulo Sérgio Domingues, do STJ, disse que o tema vem gerando celeuma exagerada.

Primeiro porque os tribunais julgam muito, o suficiente para tornar impossível o julgamento presencial de todos os processos com sustentações orais de 15 minutos. Segundo porque a resolução do CNJ aumenta a transparência dos julgamentos virtuais, sem afetar em nada as sessões presenciais. “Sustentações são melhores presenciais? São. Mas, em todos os casos, é impossível (fazê-las). Precisamos lidar com dados da realidade”, disse o ministro.

Já na sessão da 3ª Turma do STJ do último dia 4, a ministra Nancy Andrighi tratou do tema ao comentar que a advocacia deveria se preocupar mais com as sessões virtuais em si. “Os advogados estão com o foco errado. A sustentação oral é importante, mas pode ser substituída por bom memorial com duas ou três páginas. Nada é mais importante do que imaginar que eu vou me deparar com cinco dias úteis e ter que debulhar uma pauta virtual de mil processos.”

Beto Simonetti reforçou a posição da OAB na sessão de abertura do ano judiciário no Supremo Tribunal Federal, em fevereiro. “A palavra dita é complementar à palavra escrita e, sem constrangimento, vídeo gravado não é sustentação oral.” À ConJur, ele reforçou ser essencial que o advogado tenha a oportunidade de se manifestar diretamente perante o colegiado julgador, garantindo a efetividade da defesa dos direitos dos cidadãos.

Blitz legislativa

No Tribunal Superior do Trabalho, a pressão da OAB deu algum resultado. O órgão determinou que os processos com pedido de sustentação oral sejam automaticamente transferidos para julgamento presencial para as pautas até 14 de março, prazo final já estendido pelo CNJ para implementação da Resolução 591/2024. A partir daí, será necessária a concordância do relator para o deferimento do destaque.

Há uma ofensiva também no Legislativo. Em agosto de 2024, senadores protocolaram uma proposta de emenda à Constituição (PEC 30/2024) para assegurar que advogados possam apresentar seus argumentos oralmente perante tribunais de todas as esferas, judicial e administrativa, sob pena de nulidade do julgamento. O texto é de iniciativa do senador Castellar Neto (PP-MG), com apoio de outros 26 senadores.

O senador Fabiano Contarato (PT-ES) protocolou o PL 345/2025 para mudar o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal, prevendo que destaques sejam decididos de maneira fundamentada pelo relator, de acordo com a relevância da matéria e a necessidade do julgamento síncrono com sustentação oral. Na fundamentação, ele classifica a resolução do CNJ como uma “limitação abusiva às prerrogativas da advocacia”.

Já na Câmara dos Deputados, a deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania-SC) protocolou o PL 4.996/2024, para propor a inclusão no Estatuto da Advocacia da previsão de que todos os casos em julgamento virtual com pedido de sustentação oral sejam pautados para sessões presenciais ou telepresenciais.

Além disso, o deputado federal Tião Medeiros (PP-PR) propôs em outubro um Decreto Legislativo de Sustação de Atos Normativos do Poder Executivo (PDL 371/2024) para sustar os efeitos da resolução do CNJ, por restringir a atuação pleno dos advogados e usurpar a competência do Congresso Nacional.




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