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porto velho, terça-feira 4 de fevereiro de 2025
MUNDO: Nos últimos meses, o futebol no Irã foi cercado de pequenos atos de desafio contra o regime em meio a protestos generalizados no país. A recusa do craque Sardar Azmoun em celebrar o empate contra o Senegal e o movimento de vários jogadores mudando suas fotos de perfil de mídia social para preto são dois exemplos. Como tudo no Irã, o futebol tem sido afetado pelos protestos, caos e violência que convulsionam o país e ameaçam a própria natureza do regime que está no poder há mais de 40 anos.
Foi no meio dessa agitação que a seleção iraniana viajou pelo Golfo Pérsico até o Catar, onde enfrenta dois dos rivais geopolíticos mais ferozes do país, a Inglaterra e os Estados Unidos, que estão em busca de vitórias. No Irã, muitos chamam os dois países de “Velha Raposa” e o “Grande Satanás”, respectivamente. O jogo contra a Inglaterra, nesta segunda-feira (21), terminou em 6 a 2 para os ingleses.
No caminho para a Copa do Mundo no Catar, houve apelos para que o Irã fosse expulso do torneio. Na estreia contra a Inglaterra nesta segunda-feira, em uma aparente demonstração de apoio aos manifestantes em casa, o time optou por não cantar o hino nacional.
Com o time estreando com derrota para Inglaterra no segundo dia do torneio, todos os olhos estavam em seus jogadores – e as conversas iam muito além do futebol.
Citados por especialistas como os mais significativos desde o estabelecimento do governo teocrático após a Revolução Iraniana de 1979, os protestos foram provocados pela morte de Mahsa Amini,, uma jovem de 22 anos que faleceu depois de ser detida pela polícia da moralidade iraniana. Ela não estaria cumprindo o código de vestimenta conservador do país.
O que começou como um clamor pelos direitos das mulheres se transformou em um movimento, ainda impulsionado pelas mulheres, exigindo o fim de um regime que “as pessoas não acreditam mais; [e um regime] é reformável’, disse Abbas Milani, diretor de estudos iranianos da Universidade de Stanford, à Christiane Amanpour, da CNN, no início deste mês.
“Eles querem um contrato social diferente sem que o clero reivindique seu direito divino”, disse o especialista.
As forças de segurança iranianas desencadearam uma resposta violenta, matando pelo menos 378 pessoas, segundo a ONG Iran Human Rights NGO (IHRNGO), com sede na Noruega. Uma autoridade da ONU diz que 14 mil pessoas foram presas em todo o país, incluindo jornalistas, ativistas, advogados e professores.
A CNN não pode verificar de forma independente esses números, pois a mídia não estatal, a internet e os movimentos de protesto no Irã foram todos suprimidos. Os números de mortos variam de acordo com grupos da oposição, organizações internacionais de direitos e jornalistas que rastreiam os protestos em curso.
O futebol é o “esporte número um” no Irã, diz o técnico canadense Mossavat, nascido no Irã, dando ao time uma plataforma muito poderosa para expressar seu apoio aos manifestantes.
No passado, a seleção nacional era sido vista como mais representativa do povo iraniano do que o próprio regime, como contou à CNN Omid Namazi, treinador assistente da seleção iraniana de 2011 a 2014.
Tanto é que, quando a conta do Twitter da Copa do Mundo da Fifa postou imagens dos jogadores iranianos sorrindo e se divertindo em uma sessão de fotos antes do torneio, choveram críticas nas redes sociais.
“Estou tão decepcionado, tão desanimado com eles”, escreveu o jornalista de futebol iraniano Sina Saemian.
“A falta de senso comum, a falta de empatia e insensibilidade mostradas nessas imagens é genuinamente desanimadora. A foto posada é obviamente uma exigência da Fifa, mas as poses não são. Há uma clara ausência de qualquer senso de consciência”.
Embora o seu atacante mais famoso, Azmoun, tenha demonstrado apoio aos manifestantes, Namazi diz que muitos dos outros jogadores da seleção nacional permaneceram relativamente quietos, “deixando um gosto amargo”.
“A percepção mudou realmente sobre os jogadores, sobre a própria seleção nacional”, acrescentou. “As pessoas chamam a seleção de equipe da República Islâmica e não a equipe nacional do povo do Irã”.
Azmoun, que joga pelo time alemão Bayer Leverkusen, fez vários posts nas redes sociais e mudou sua foto de perfil para preto em apoio aos manifestantes. A atitude, segundo o próprio jogador, poderia ter lhe custado um lugar na equipe da Copa do Mundo.
“Isso vale a pena sacrificar por um fio de cabelo feminino iraniano”, escreveu nos stories do Instagram. “Que vergonha de vocês que matam as pessoas tão facilmente. Viva as mulheres iranianas”.
Azmoun foi finalmente selecionado para jogar no Catar, mas a Iranwire, uma agência de notícias da oposição, informou que o treinador da seleção masculina, o português Carlos Queiroz, estava sob pressão do Ministério do Esporte do Irã para deixá-lo de fora da escalação.
Protestar na Copa do Mundo, o maior palco mundial do futebol, traz riscos potencialmente enormes para os jogadores atuais da seleção nacional.
“Os jogadores estão sob muita pressão do governo. Isso afeta seus meios de subsistência, seu futuro, seus ganhos”, lembrou Namazi, que foi treinador da seleção de 2011 a 2014.
No entanto, os jogadores terão liberdade para protestar na Copa do Mundo, desde que não violem as regras da FIFA, disse o técnico Queiroz.
“Não sei se eles farão alguma coisa”, contou o torcedor iraniano Payam, que não deu seu sobrenome por razões de segurança.
“Estamos todos esperando que eles façam alguma coisa. Se não, vai voar um ovo grande na cara deles, sinceramente”.
O zagueiro Ehsan Hajsafi foi o primeiro membro da seleção nacional a falar na Copa do Mundo em aparente apoio aos manifestantes antigoverno. “Elas devem saber que estamos com elas. Que nós as apoiamos. E simpatizamos com elas em relação às condições”, disse a repórteres, de acordo com a Reuters, no domingo (20).