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porto velho, terça-feira 4 de fevereiro de 2025
MUNDO - A Venezuela será um dos países com maior crescimento econômico em 2022 na América Latina, e a expectativa é que registre uma das principais expansões do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços) também em 2023, segundo a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal).
Segundo a organização ligada às Nações Unidas, a economia venezuelana crescerá 12% neste ano e 5% no ano que vem. Para efeitos de comparação, a economia brasileira deverá crescer 2,6% neste ano e 1% em 2023, informou a Cepal. A Argentina, por sua vez, tem previsão de crescimento de 3,9% neste ano e de 1% no próximo ano.
A economia venezuelana perde a liderança neste ranking apenas para a da Guiana, que também fica na América do Sul, e que em 2022 terá um salto de 52% e em 2023 outro pulo de 30%.
Nos dois casos, da Venezuela e da Guiana, o petróleo é o principal responsável pelos resultados, segundo analistas — a Guiana descobriu imensas reservas dessa matéria-prima recentemente.
Países vizinhos entre si e que fazem fronteira com o Brasil, a Venezuela possui uma das maiores reservas de petróleo do mundo e tradição neste ramo. Na Guiana, por sua vez, a história da perfuração de petróleo é recente e tem contribuído para o forte incremento de seu PIB há dois anos. Outra diferença é o tamanho da população dos dois países — a da Venezuela é de cerca de 28,5 milhões de habitantes e a da Guiana não chega a 1 milhão de habitantes (aproximadamente 800 mil habitantes).
Em entrevista à BBC News Brasil, o economista Ramón Pineda, da Divisão de Desenvolvimento Econômico da Cepal, com sede em Santiago, no Chile, disse que essa "é a primeira vez" que a economia venezuelana cresce desde 2013-2014.
"E é um crescimento de 12%. Em 2023, também estamos antecipando que vai ocorrer um crescimento da atividade econômica de 5% e com recuperação da produção petrolífera", diz Pineda.
Segundo ele, apesar da previsão de queda nos preços do petróleo, a expansão do ano que vem seria factível diante "da retirada ou suavização de algumas sanções (sanções econômicas)" contra a Venezuela e da maior atividade no setor de petróleo.
"Esse incremento permitiria compensar a queda nos preços do petróleo em 2023", disse.
Combustíveis
Neste ano, os pilares da expansão de 12% da economia venezuelana são o incremento de cerca de 20% na produção petrolífera em 2022 na comparação com 2021 e os preços do produto.
"O aumento nos preços do petróleo gera uma forte quantidade de recursos tanto para a gestão do fisco como para financiar as importações venezuelanas. Importações no que se refere a insumos e também a bens finais. Isto contribuiu para diminuir as carências de combustíveis e de insumos que permitiram que a agroindústria e a indústria farmacêutica também tenham se fortalecido durante 2022", diz o economista da Cepal.
Com mais dinheiro, o Banco Central da Venezuela (BCV) e o governo do presidente Nicolás Maduro têm mais recursos para as importações necessárias para fazer a economia — e o cotidiano dos venezuelanos — funcionar.
"Por exemplo, no caso dos combustíveis, e especialmente da gasolina, também podem ser realizadas importações com os recursos provenientes da atividade petrolífera", disse Pineda.
Na semana passada, o governo dos Estados Unidos autorizou a empresa Chevron a retomar, após três anos, as operações de produção e exportação de petróleo venezuelano.
O acordo seria de seis meses, com possibilidade de renovação, e envolveria a estatal venezuelana PDVSA, segundo especialistas que analisaram a negociação.
O anúncio do entendimento e do alívio das sanções americanas foi feito após a retomada do diálogo entre o governo Maduro e a oposição venezuelana, durante o qual os dois lados concordaram em criar um fundo, que seria gerido pelas Nações Unidas, para financiar programas de alimentação, saúde e educação na Venezuela.
Outro fato que favorece o "menor isolamento" da Venezuela é a retomada do diálogo do governo Maduro com a Colômbia, após a posse de Gustavo Petro, em agosto passado em Bogotá.
Mas, apesar destes entendimentos e do crescimento econômico deste ano, os indicadores sociais e o cotidiano dos venezuelanos seguem sendo um desafio.
O analista político e econômico venezuelano Luis Vicente León, da consultoria Datanálisis, assinala que os venezuelanos percebem a melhoria econômica no país quando comparam a situação atual com "o pior quadro mais recente" — a 'hipercrise' de 2018, quando havia amplo desabastecimento e longas filas.
"Mas ainda hoje muita gente está vivendo com falta de energia, de água e de capacidade de consumir", analisa Léon. E acrescenta: "Agora, o país não está bem porque perdemos 75% do PIB em sete anos e estamos longe da recuperação", diz.
De acordo com levantamento de sua consultoria, "somente 40% da população entendem que o país está bem ou muito bem".
Em entrevista a uma rádio local, o economista Asdrubal Oliveros, da consultoria Ecoanalítica, de Caracas, disse que o crescimento econômico existe e é impulsionado, principalmente, pelo setor privado.
Ele, porém, ressalvou: "Estávamos no nível 12 abaixo de zero e agora estamos no 8. O crescimento econômico é real, mas ainda não é percebido pela maioria dos venezuelanos".
Apagões
Na Venezuela, a falta de energia elétrica e de combustíveis está entre os principais desafios enfrentados pela população do país, segundo economistas locais.
O economista venezuelano Daniel Cardenas, professor de macroeconomia da Universidade Central da Venezuela (UCV) e da Universidade Metropolitana de Caracas, diz à BBC News Brasil que a produção de petróleo entre 2021 e 2022, passou de 300 mil barris diários para cerca de 700 mil barris por dia.
No entanto, esse número não é nada comparável à produção nos anos 1990, quando o país chegou a produzir mais de 3 milhões de barris diários.
Cardenas acredita que o desempenho da economia venezuelana poderia continuar melhorando, a partir do maior alívio nas sanções econômicas contra o país.
Mas, em sua visão, os "determinantes" do crescimento venezuelano ainda são "muito frágeis". Ele cita a média salarial dos venezuelanos que estaria entre US$ 120 e US$ 130 (R$ 630 e R$ 680).
"Não estamos falando de salário mínimo. Estamos falando de média salarial. E o salário mínimo aqui é em bolívares (a moeda nacional), e está em torno dos US$ 12 e muito longe dos cerca de US$ 300 a US$ 400 pagos em outros países da América Latina. Mas as empresas não pagam esses US$ 12 porque ninguém aceitaria trabalhar", disse.
Cardenas opina que o consumo nas casas dos venezuelanos ainda é muito baixo, apesar da "modesta recuperação" recente.
"Com a inflação ainda alta é difícil que o consumo suba", afirmou.
Cardenas calcula suas estimativas sobre a economia do país a partir de indicadores como o da arrecadação fiscal, a produção industrial e do setor comercial, já que outros dados oficiais não são divulgados periodicamente, ressalva.
Para ele, a economia venezuelana deverá crescer cerca de 9% neste ano de 2022 — longe dos 12% previstos pela Cepal.
"As taxas são altas e inesperadas, mas o crescimento surge depois da pandemia e das quarentenas", diz.
As estimativas do Banco Central da Venezuela (BCV) foram as mais otimistas até o momento. O BCV informou que a economia do país registraria expansão de 18% neste ano, sendo o maior da região.
No início de 2022, a Venezuela deixou, oficialmente, o período de hiperinflação que marcou seus quatro anos seguidos, a partir de 2017 e chegando a superar quatro dígitos anuais.
Nesta semana, porém, o Observatório Venezuelano de Finanças (OVF) informou que a alta de preços de novembro foi de 21,9% e que o acumulado neste ano chega a quase 200% (195,7%).
A expectativa era que o país pudesse manter a inflação de um dígito mensal que chegou a ser registrada no início de 2022.
Medida em dólares, a alta de preços neste ano chega a 50%, segundo escreveu o economista Asdrubal Oliveros em suas redes sociais.
Os desafios venezuelanos ainda são "enormes", conclui Luis Vicente León.